textos que nunca li, cartas que nunca enviei
entre o sempre, o nunca, e a nostalgia de algum dia ter vivido um dos dois
em um dia que começa como todos os outros - àqueles que se configuram como úteis, porque me recuso a repetir certos hábitos durante o final de semana ou feriados - acordei, tomei um banho, passei um café e fui à aula.
durante a aula de literatura, tivemos que escolher entre 6 autores para redigir um artigo de crítica literária que identificasse características do pré-modernismo. o do meu grupo foi o augusto dos anjos, poeta paraibano que me surpreendeu com seu ponto de vista único sobre a vida e sobre o mundo. o fato de dos anjos se referir à si mesmo enquanto alguém repugnante que sofre com questões internas e externas desde o período da infância, fez com que eu me identificasse muito com ele.
acredito que em outros textos terei a oportunidade de aprofundar minhas opiniões em relação às obras de augusto dos anjos, mas a experiência de hoje, lendo seu poema “psicologia de um vencido”, me fez questionar:
será que existe mais alguém que se sinta exatamente como eu e o augusto?
a princípio, a resposta óbvia parece ser: lógico.
talvez pareça, inicialmente, uma dúvida um tanto quanto egoísta: é claro que não estamos sozinhos no mundo. talvez tudo o que eu já tenha pensado, contemplado, vivido, adorado, já tenha sido pensado, contemplado, vivido ou adorado por outra pessoa. então porque se torna tão difícil e inimaginável compreender que existe outro indivíduo que pense, contemple, viva e adore da exata mesma forma que nós?
a verdade é que estamos tão focados em tentar entender o que se passa na nossa própria cabeça e no mundo ao nosso redor, que não absorvemos que existem pessoas com ideias, pensamentos, loucuras iguaizinhas às nossas.
idealizar que as pessoas são figurantes em nossa vida, narrativa essa que nos foi prometida o total controle, nos aliena de possíveis experiências de interação e nos faz pensar que toda e qualquer percepção subjetiva é única, o que não é verdade. e se paramos pra pensar, são esses pequenos momentos de ignorância inofensiva, egoísmos corriqueiros e palpites nada-certeiros que nos tornam humanos, que constituem nosso caráter.
nessa lógica, me peguei pensando em todas as bilhões de vezes as quais reproduzi os comportamentos supracitados. qual seria o sentido por trás de salvar um vídeo ou texto sabendo que você não vai vê-lo ou lê-lo? qual é a lógica de começar algo sabendo que você não vai terminar, e se vai, será de forma pífia? o que se configura como algo plausível quando estamos diante de sentimentos que não saem de nós, mas que, mesmo assim, não temos o culhão de admiti-los nem à nossa própria consciência?
chega a ser irônico que, ao invés das perguntas nos ajudarem a refletir as repostas, resultam na (re)produção de mais perguntas.
de qualquer forma, o que aconteceria se eu dissesse tudo o que sinto? se, todas as vezes em que fui tomada pelos mais genuínos impulsos emocionais, que me descrevem melhor do que qualquer outra coisa, eu tivesse enviado as cartas que ainda precisam ser transcritas das minhas emoções para o papel? é estranho pensar, seguindo a lógica o início, que, por existirem pessoas que pensam como nós, elas saibam que a tensão entre dois corpos não existe apenas no pensamento de um deles. logo, o que nos impede de usar nossa própria subjetividade como pretexto para sentir tudo que temos para sentir, falar tudo que temos para falar e viver tudo àquilo que idealizamos?
uma vez, vi alguém dizendo que a adolescência era a fase mais intrigante da vida, e que os adolescentes tinham um brilho especial: eles sabiam algo que não era de conhecimento das crianças, e que os adultos e idosos haviam esquecido. o que seria esse “algo”, não tem exatamente como saber, mas talvez a única forma de descobrir seja por começar a ler os textos que nunca lemos, e enviar as cartas que nunca enviamos. daí pra frente, lidemos com as consequências de sermos humanos funcionais.
ps: não que eu ligue, mas dei uma viajada boa. to com muito sono. perdao por isso.
Muito obrigada por esse texto! Me fez refletir muito e entendi tudo o que quis dizer. Me tocou de verdade 💗